quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

PARAÍSO PERDIDO

Bem ali, no pé da serra, município de Várzea-Alegre, existia um paraíso perdido, denominado Poço -dos -Paus. Sítio cercado por quatro serras: Serra do Furtado, Serra dos Cavalos, Serra Negra e o Morro dos Três Irmãos.
Esse paraíso é cortado pelo Riacho do Meio, que fertiliza até hoje esse paraíso, essa serra era fértil no plantio da cana-de-açúcar, arroz, milho, feijão em tudo que se plantava produzia, por isso levou ao pequeno produtor a se apaixonar pelo cultivo agrícola, esquecendo o resto do mundo, quando falava em estudo, era visto como preguiçoso, que não queria trabalhar.
Para fortalecer essa idéia de paraíso, só existia a luz do sol e a luz da lua, o restante das noites era iluminadas através da lamparina também conhecido de candeeiro e  para visitar os amigos essa jornada era iluminada por o ”faxo de marmeleiro”¹.
O médico era José Xavier era um raizeiro, os primeiro dentistas era um rezador, que quando um dente doía, ele resava e deixava de doer, mas se esperava que ele caísse com o tempo. As parteiras assistiam as mulheres que esperavam filhos, sem nenhuma experiência e só existia uma, ainda lembro o nome, Maria Xavier, quando envelheceu, surgiu outra, Dona Luzia a qual assistiu o meu nascimento, todos a chamavam de mãe.
Chegando aos dez anos de idade assisti ao primeiro filme, ainda lembro, foi de “Carlito”. O Frade (Irmão Inácio) que fazia parte do Seminário de Canudos na Bahia,  a missão que Deus lhe deu, foi cuidar das vocações sarcedotais, assisti ao filme e me despertou o desejo de ser padre, mas como chegar até minha mãe e dizer que queria ser Padre, passei o dia rondando a minha mãe, há uma hora resolvi falar, “mamãe quero ir para a Bahia ser Padre, ela olhou para mim e respondeu, você está muito novo para se evadir no mundo”.
Seis anos depois, surgiu uma escola primária, hoje ensino fundamental, para estudar, tínhamos que atravessar o rio do meio a nado, andando com os chinelos nas mãos e os pés descalços até a porta da escola.
Terminado o ensino fundamental cheguei ao torturador do estudante, o velho “Admissão ao Ginásio”,  após passar para o ginásio, a escola não era equiparada só em cidades grandes ou capitais. E agora José? Como o Poema de Carlos Drumonnd de Andrade “Sozinho no escuro, qual bicho- do –mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar”. Tomei coragem e fui enfrentar o grande e primeiro obstáculo da vida, a grande cidade desconhecida, Juazeiro do Norte (CE), chegando a essa grande cidade encontrei a casa de um amigo, me matriculei no Colégio dos Capuchinhos.
A situação continuou calamitosa, tive que morar em quatro casas, na primeira ainda permaneci por algum tempo, colocaram querosene na minha comida, mesmo assim continuei lá por mais dias, surgiu um amigo solteiro que possuía um “buteco”, que permitiu que eu estendesse a rede no chão para eu dormir, onde permaneci por mais uns dias, mas não tinha onde comer, comia um pouco de farinha com açúcar, mas o amigo achou que estava dando muitas despesas. Fui convidado por outro amigo que me dava dormida e comida, em troca trabalhava sem remuneração na sua venda, por separação do casal me afastei.
Ficando a noite com a rede debaixo dos braços e os livros não mãos, lembrei de um amigo pedreiro, que estava construindo uma casa perto do “buteco” onde eu trabalhava, era uma hora da manhã, chegando lá ele me acolheu, cedendo está casa recém construída para eu morar até  até terminar o ginásio, porém a casa não possuía água no banheiro e nem energia, só existindo armador de rede, surgiu outro problema, não tinha refeições e nem onde tomar banho. O que devo  fazer? Pensei! Descobri um método novo, resolvi fazer visitas aos amigos, na hora do almoço.
Concluído o “Admissão” galgando o primeiro lugar, porém não tinha dinheiro para comprar o vestuário para a recepção, o amigo que me emprestou a casa, também me emprestou a beca para recepção do diploma de conclusão de curso, no outro dia, amanheceu, era o dia de voltar ao paraíso, sem saber o que fazer, fui visitar uma amiga de estudo que era possuidora de uma venda.
Como o  caminhão no qual se retornava ao paraíso, só saia ao meio dia da Praça do Padre Cícero, fiquei nesse espaço de tempo, de oito às onze horas do dia, com minha amiga  que lamentava muito, porque eu não ia mais dar continuidade aos meus estudos, triste me ofereceu uma garrafa de cachaça Vale do Cariri, e repetia uma música para que eu sempre lembrasse dela: um minuto de silêncio – Waldick Soriano, chegando o momento de despedida, apanhei a mala, mas a fechadura se abriu, meus poucos pertences caíram por terra, ela me emprestou um “saco”, joguei as roupas e a mala dentro e coloquei no ombro e fui de volta ao paraíso.
 Para dar continuidade aos estudos, encontrei outro amigo que me conduziu a “Casa do Estudante”, no Crato (CE) onde conclui o ginásio e o científico.
Deixando o velho nordeste, viajei para a grande selva de pedra, São Paulo, cheguei com quarenta centavos no bolso, procurei  industrias e trabalhei dois anos, me preparei para o vestibular me preparando  no Ângulo Vestibular.
Renovei a vocação de ser Padre, resolvi enfrentar novamente, não mais a minha mãe, mas o meu futuro reitor, meio atônito me levaram para conversar com o superior. Lembro-me a pergunta que fizeram; “você quer ser Padre, para que”? Fiquei calado, pensando o quer dizer, e resolvi falar: “para servir melhor”, me mandou de volta para fazer o vestibular, se você passar, pode vir para o seminário, deste dia em diante só saí quando me  formei em filosofia  e teologia e ordenado Padre, até hoje.
Voltei ao velho nordeste, onde me despertou o desejo de participar das fileiras militar, ingressei nas forças ramadas e hoje sou Coronel de Militar, mas uma coisa chama outra, senti a necessidade de me formar em Direito, para “ melhor servir”. Passei para OAB do Brasil e me especializei em Direito Penal e Processual Penal, quando em casos especiais vou ao Tribunal defender alguns réus.
Hoje, ainda me encontro com alguns velhos amigos que enfrentaram outros caminhos e está na mesma cidade, onde havíamos nos conhecidos há quarenta anos,  e permaneço até hoje, no Juazeiro do Norte, terra do meu Padrinho Cícero.
Ainda apaixonado pelo velho paraíso, adquiri as terras onde nasci atualmente não se planta mais arroz, feijão e milho, mas substituí por cana-de-açúcar e capins para criatório de bovinos e ovinos.


Padre José Roberio Felipe

Juazeiro do Norte (Ce), 11 de Fevereiro de 2015.

 














2 comentários:

  1. Gostei muito, leitura bastante agradável, retrata a história de muitos nordestinos que para alcançar seus objetivos sofrem um bocado, encontram também pessoas boas nessa longa estrada da vida.

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  2. Gostei muito, leitura bastante agradável, retrata a história de muitos nordestinos que para alcançar seus objetivos sofrem um bocado, encontram também pessoas boas nessa longa estrada da vida.

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