sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O PREGUIÇOSO

Quando ainda, na minha pequena juventude, ouvia dizer pelos mais velhos que um homem resolveu ser enterrado vivo, porque não tinha coragem para trabalhar. Um viajante disse: não enterre esse homem, eu tenho muitas bananas e dou para ele comer, o homem levantou e cabeça e perguntou: as bananas já estão descasadas? O viajante Respondeu: não!  Homem falou: Pode tocar com o enterro.
Os tempos mudaram hoje os pais recebem o bolsa família (vale gás, bolsa escola), auxilio maternidade e auxílio às mulheres de vida fácil.
Cheguei ao Paraíso Perdido, para ver como estavam às coisas, durante o tempo em que estive lá, olhei as outras propriedades e consegui avistar cinco homens trabalhando, retocando cerca, dando água ao gado, cavando poço, cortando capim para outros animais, plantando cana-de-açucar e levando o gado para o curral. Fiquei feliz! Perguntei: quem são esses que estão trabalhando? Responderam: o Doutor Chiquinho, Dr. Evalnildo, Dr. Carlos, Dr. Tércio e aquele? É o Padre Robério.
O que faziam o restante dos homens? Uns tentavam navegar nas redes sociais, as mulheres e filhas preocupadas em grande silêncio, assistindo a novela “Rei do Gado”- reprisada e jovens passeando em motos.
Um fato emocionante aconteceu: Chico Catingueira saiu para pescar de anzol e encontrou uma rede de pesca armada, foi até lá e retirou alguns peixes, voltou logo, a mulher perguntou o que aconteceu que  pegou tanto peixe?  Foi que hoje o dia estava bom para pesca. Mas nunca ouvi dizer que Curimatã e Piau caíssem tanto em anzol? Ele respondeu: mulher os tempos mudaram! Eu ouvi dizer que Norte ia virar Sul e Sul ia virar Norte.
“O desejo do preguiçoso o mata, porque as suas mãos recusam trabalhar” Provérbios -(21:25);
Tudo isso me fez lembrar do “ABC  Do Preguiçoso”:
Marido se alevanta e vai armá um mundé
Prá pegá uma paca gorda prá nóis cumê um sarapaté
Aroeira é pau pesado num é minha veia
Cai e machuca meu pé e ai d´eu sodade
Marido se alevanta e vai na casa da tua avó buscá
A ispingarda dela procê caçá um mocó

Só que no lajedo tem cobra braba num é minha veia
Me morde e fica pió e ai deu sodade
Entonce marido se alevanta e vai caçá uma siriema
Nóis come a carne dela e faiz uma bassora das pena
Ai quem dera tá agora num é minha veia
Nos braço duma roxa morena e ai d´eu sodade
Sujeito alevanta e vai na casa do venderão
Comprá uma carne gorda prá nois fazê um pirão
É que eu num tenho mais dinheiro num é minha veia
Fiado num compro não e ai d´eu sodade
Ô marido se alevanta e vai na venda do venderim
Comprá deiz metro de chipa prá fazê rôpa pros nossos fiim
Ai dentro tem um colchão véio num é minha veia
Desmancha e faiz umas carça prá mim e ai d´eu sodade
Disgramado se alevanta, deixa de ser preguiçoso
O homi que num trabáia num pode cumê gostoso
É que trabáia é muito bom num é minha veia
Mas é um pouco arriscoso e ai d´eu sodade
Ô marido se alevanta e vem tomá um mingau
Que é prá criá sustança prá nóis fazê um calamengal
Brincadêra de manhã cedo num é minha veia
Arrisca, quebrá o pau e ai d´eu sodade
Marido seu disgraçado tu ai de morrê
Cachorro ai de ti lati e urubu ai de ti cume
Se eu subesse disso tudo num é minha veia
Eu num casava cum ocê e ai deu sodade”.
( Música – Xangai)

Juazeiro do Norte(CE), 27 de Fevereiro de 2015.
Padre José  Robério Felipe.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

ATRÁS DO POBRE CORRE UM BICHO



Em mil novecentos e cinqüenta e oito, foi um ano de seca. Toda a lavoura se perdeu. O governo decretou seca total. O Governo não sendo possuidor de máquinas de pavimentação de estradas, para não fornecer o alimento gratuito, resolve colocar o braço humano para substituir a máquina, alistou os homens com mais de dezoito anos para fazer a rodagem de Várzea-Alegre a Lavras da Mangabeira.
Juntaram agrupamento de trinta em trinta homens, alojados em barracas de palhas, e nestas barracas, trabalhava a semana de segunda a sexta, ao sábado era para se fornecer e levar o alimento para o restante da família, na segunda-feira rumava de volta para o trabalho.
Com esse envolvimento, todos os homens se esqueceram do Engenho Velho. Zaqueu que tinha melhor situação financeira, não precisou se alistar neste trabalho, então lembrou-se da mulheres do Engenho Velho.
Chegando lá, encontrou todas morrendo de fome. O que vou fazer com tantas mulheres?  Já sei! Vou levar e distribuir uma a uma nas barracas, assim o fez e deu certo.
Negociou com cada chefe de barraca para que no sábado, fosse tirado um pouco de cada trabalhador e doado para a mulher. Acordo fechado! A mulher chegou: um problema surgiu na barraca cento e cinqüenta e seis, onde botar a mulher? Como é sabido por todos que para todo problema existe uma solução. Porém existe jeitinho brasileiro, coloque a rede dela perto da rede do Sr. Quina, ele já era velho e  o problema estava resolvido.
Mas no Brasil não tem jeito, meia noite levaram a mulher para passear na floresta, Chico filho do Sr. Quina, rapaz novo, mas cansado do trabalho pesado dormiu muito, quando acordou só tinha uma pessoa dormindo no barraco. Pensou logo, é a mulher que não quis sair com os amigos. Caminhou de ponta de pé e deu o bote certeiro, e se pegou com a mulher, tanto abraçava como beijava, mas a mulher era brava, era forte, já estava há quase uma hora nesta luta. Um companheiro de trabalho chegou e com muito medo, riscou um fósforo, era Chico pegado com o pai dele, pensando que era a mulher.
Se houve e se não houve alguma coisa entre eles dois, só sabe é que durante o restante do ano, o velho Quina nunca mais aceitou a mulher perto dele.

Juazeiro do Norte (CE), 17 de Fevereiro de 2015.


Padre José Robério Felipe.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

PARAÍSO PERDIDO

Bem ali, no pé da serra, município de Várzea-Alegre, existia um paraíso perdido, denominado Poço -dos -Paus. Sítio cercado por quatro serras: Serra do Furtado, Serra dos Cavalos, Serra Negra e o Morro dos Três Irmãos.
Esse paraíso é cortado pelo Riacho do Meio, que fertiliza até hoje esse paraíso, essa serra era fértil no plantio da cana-de-açúcar, arroz, milho, feijão em tudo que se plantava produzia, por isso levou ao pequeno produtor a se apaixonar pelo cultivo agrícola, esquecendo o resto do mundo, quando falava em estudo, era visto como preguiçoso, que não queria trabalhar.
Para fortalecer essa idéia de paraíso, só existia a luz do sol e a luz da lua, o restante das noites era iluminadas através da lamparina também conhecido de candeeiro e  para visitar os amigos essa jornada era iluminada por o ”faxo de marmeleiro”¹.
O médico era José Xavier era um raizeiro, os primeiro dentistas era um rezador, que quando um dente doía, ele resava e deixava de doer, mas se esperava que ele caísse com o tempo. As parteiras assistiam as mulheres que esperavam filhos, sem nenhuma experiência e só existia uma, ainda lembro o nome, Maria Xavier, quando envelheceu, surgiu outra, Dona Luzia a qual assistiu o meu nascimento, todos a chamavam de mãe.
Chegando aos dez anos de idade assisti ao primeiro filme, ainda lembro, foi de “Carlito”. O Frade (Irmão Inácio) que fazia parte do Seminário de Canudos na Bahia,  a missão que Deus lhe deu, foi cuidar das vocações sarcedotais, assisti ao filme e me despertou o desejo de ser padre, mas como chegar até minha mãe e dizer que queria ser Padre, passei o dia rondando a minha mãe, há uma hora resolvi falar, “mamãe quero ir para a Bahia ser Padre, ela olhou para mim e respondeu, você está muito novo para se evadir no mundo”.
Seis anos depois, surgiu uma escola primária, hoje ensino fundamental, para estudar, tínhamos que atravessar o rio do meio a nado, andando com os chinelos nas mãos e os pés descalços até a porta da escola.
Terminado o ensino fundamental cheguei ao torturador do estudante, o velho “Admissão ao Ginásio”,  após passar para o ginásio, a escola não era equiparada só em cidades grandes ou capitais. E agora José? Como o Poema de Carlos Drumonnd de Andrade “Sozinho no escuro, qual bicho- do –mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar”. Tomei coragem e fui enfrentar o grande e primeiro obstáculo da vida, a grande cidade desconhecida, Juazeiro do Norte (CE), chegando a essa grande cidade encontrei a casa de um amigo, me matriculei no Colégio dos Capuchinhos.
A situação continuou calamitosa, tive que morar em quatro casas, na primeira ainda permaneci por algum tempo, colocaram querosene na minha comida, mesmo assim continuei lá por mais dias, surgiu um amigo solteiro que possuía um “buteco”, que permitiu que eu estendesse a rede no chão para eu dormir, onde permaneci por mais uns dias, mas não tinha onde comer, comia um pouco de farinha com açúcar, mas o amigo achou que estava dando muitas despesas. Fui convidado por outro amigo que me dava dormida e comida, em troca trabalhava sem remuneração na sua venda, por separação do casal me afastei.
Ficando a noite com a rede debaixo dos braços e os livros não mãos, lembrei de um amigo pedreiro, que estava construindo uma casa perto do “buteco” onde eu trabalhava, era uma hora da manhã, chegando lá ele me acolheu, cedendo está casa recém construída para eu morar até  até terminar o ginásio, porém a casa não possuía água no banheiro e nem energia, só existindo armador de rede, surgiu outro problema, não tinha refeições e nem onde tomar banho. O que devo  fazer? Pensei! Descobri um método novo, resolvi fazer visitas aos amigos, na hora do almoço.
Concluído o “Admissão” galgando o primeiro lugar, porém não tinha dinheiro para comprar o vestuário para a recepção, o amigo que me emprestou a casa, também me emprestou a beca para recepção do diploma de conclusão de curso, no outro dia, amanheceu, era o dia de voltar ao paraíso, sem saber o que fazer, fui visitar uma amiga de estudo que era possuidora de uma venda.
Como o  caminhão no qual se retornava ao paraíso, só saia ao meio dia da Praça do Padre Cícero, fiquei nesse espaço de tempo, de oito às onze horas do dia, com minha amiga  que lamentava muito, porque eu não ia mais dar continuidade aos meus estudos, triste me ofereceu uma garrafa de cachaça Vale do Cariri, e repetia uma música para que eu sempre lembrasse dela: um minuto de silêncio – Waldick Soriano, chegando o momento de despedida, apanhei a mala, mas a fechadura se abriu, meus poucos pertences caíram por terra, ela me emprestou um “saco”, joguei as roupas e a mala dentro e coloquei no ombro e fui de volta ao paraíso.
 Para dar continuidade aos estudos, encontrei outro amigo que me conduziu a “Casa do Estudante”, no Crato (CE) onde conclui o ginásio e o científico.
Deixando o velho nordeste, viajei para a grande selva de pedra, São Paulo, cheguei com quarenta centavos no bolso, procurei  industrias e trabalhei dois anos, me preparei para o vestibular me preparando  no Ângulo Vestibular.
Renovei a vocação de ser Padre, resolvi enfrentar novamente, não mais a minha mãe, mas o meu futuro reitor, meio atônito me levaram para conversar com o superior. Lembro-me a pergunta que fizeram; “você quer ser Padre, para que”? Fiquei calado, pensando o quer dizer, e resolvi falar: “para servir melhor”, me mandou de volta para fazer o vestibular, se você passar, pode vir para o seminário, deste dia em diante só saí quando me  formei em filosofia  e teologia e ordenado Padre, até hoje.
Voltei ao velho nordeste, onde me despertou o desejo de participar das fileiras militar, ingressei nas forças ramadas e hoje sou Coronel de Militar, mas uma coisa chama outra, senti a necessidade de me formar em Direito, para “ melhor servir”. Passei para OAB do Brasil e me especializei em Direito Penal e Processual Penal, quando em casos especiais vou ao Tribunal defender alguns réus.
Hoje, ainda me encontro com alguns velhos amigos que enfrentaram outros caminhos e está na mesma cidade, onde havíamos nos conhecidos há quarenta anos,  e permaneço até hoje, no Juazeiro do Norte, terra do meu Padrinho Cícero.
Ainda apaixonado pelo velho paraíso, adquiri as terras onde nasci atualmente não se planta mais arroz, feijão e milho, mas substituí por cana-de-açúcar e capins para criatório de bovinos e ovinos.


Padre José Roberio Felipe

Juazeiro do Norte (Ce), 11 de Fevereiro de 2015.